O flagelo da saúde mental nos profissionais de saúde animal

Os profissionais de saúde animal desempenham um papel crucial na sociedade, cuidando da saúde e bem-estar dos animais, no entanto a sua importância vai muito para além do tratamento dos animais. Estes profissionais atuam como verdadeiras sentinelas da saúde humana, saúde ambiental e saúde animal.

Para além do trabalho no diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças em animais de estimação, de produção e silvestres, os profissionais de saúde animal contribuem para a prevenção de doenças zoonóticas, protegendo assim, a saúde pública, segurança alimentar, biodiversidade e meio ambiente, gerando fortes impactos ao nível da economia e sustentabilidade. 

Apesar da grande importância dos profissionais de saúde animal para a promoção de Uma Só Saúde (One Health) para todos, tem sido verificado um grande pesar entre os profissionais desta área no que toca à sua saúde mental e qualidade de vida.

De acordo com o VetSurvey em 2023, 90% dos veterinários na Europa reportam elevados níveis de stress, e cerca de 23% reportam ter ficado de baixa médica por depressão, burnout, ou fadiga de compaixão nos últimos 3 anos. O cansaço, falta de concretização profissional, isolamento, sacrifício, cinismo, insónia, problemas digestivos, e enxaquecas são os sintomas de Burnout mais reportados de acordo com a Amerivet nos Estados Unidos. Dados semelhantes são encontrados ao longo de vários estudos recentes, num estudo realizado pela Royal Canin em 2022 na Austrália é reportado que cerca de 60% dos veterinários viveu situações de stress, depressão e ansiedade e que necessitaram de cuidados médicos, para além disso, cerca de 70% dos veterinários têm conhecimento de um colega que tenha cometido suicídio. Entre 1979 e 2015 cerca de 400 veterinários nos Estados Unidos cometeram suicídio de acordo com National Center for Health Statistics. Números preocupantes verificados em diferentes países, que sublinham o flagelo da saúde mental entre os profissionais da área da saúde veterinária.

Portugal é o país onde os médicos veterinários relatam os maiores níveis de stress, já no VetSurvey realizado em 2021, 4 em cada 10 técnicos e enfermeiros veterinários revelam sentir-se muito cansados.  A elevada carga de horas laborais aliadas à privação de sono afetam a saúde mental e física destes profissionais de saúde. Para além disto, de acordo com a VetSurvey 2023, os veterinários portugueses estão entre os três países que reportam menores índices de satisfação laboral, o que aliado às baixas remunerações associadas à profissão de Médico Veterinário (50% dos Médicos Veterinários recebem até 19.200 euros por ano em Portugal de acordo com o VetSurvey de 2023). Para além disto, a American Veterinary Medical Association nos Estados Unidos lista algumas das causas transversais que levam ao Burnout entre veterinários, destacando o tratamento injusto no trabalho, carga de trabalho incontrolável e esmagadora, falta de clareza no papel profissional, falta de comunicação ou apoio percebido dos gestores, pressão temporal, dívidas de empréstimos para formação, expectativas crescentes dos donos de animais, fadiga de compaixão e baixo balanço entre qualidade de vida e profissão, como algumas das razões apontadas para a frágil saúde mental deste profissionais. Tudo isto contribui para o desgaste mental rápido destes profissionais de saúde, gerando uma verdadeira epidemia de suicídios entre os profissionais deste setor. Estudos indicam, que o risco de suicídio em medicina veterinária é de 2.1 a 12 vezes superior ao da população em geral. Em Portugal não há dados oficiais, mas estima-se a ideação suicida pode ser 5.5 vezes superior, fazendo desta profissão a que apresenta a maior taxa de suicídio. De facto, num estudo realizado no Centro de Psicologia da Universidade do Porto e da Universidade Lusófona do Porto junto de médicos veterinários em Portugal, verificou-se que 25% dos inquiridos reportam comportamento de automutilação regular, ansiedade, depressão e stress, mais de 10% dos inquiridos apresentam sintomas de burnout, e mais de 15% afirmam ter pensamentos suicidas. 

Perceção pública da profissão
Embora um estudo de 2021 da Royal Canin revele que 61% dos portugueses consideram o médico veterinário essencial para garantir o bem-estar dos seus animais de companhia e 52,8% afirmem procurar aconselhamento veterinário sobre saúde, educação e alimentação dos seus novos animais, outros dados sugerem uma visão mais crítica da população relativamente a estes profissionais o que pode pesar na forma como a população perceciona estes profissionais e sua utilidade pública. Num estudo sobre zoonoses transmitidas por vetores, 93% dos inquiridos portugueses indicaram que os médicos veterinários não fornecem informações suficientes sobre essas doenças, o que pode contribuir para a perceção de que os veterinários não estão bem informados ou que lhes falha a comunicação de informações importantes. Essa perceção pode afetar a confiança da população portuguesa nos veterinários, particularmente em questões de saúde pública, onde o seu papel é muitas vezes subvalorizado. Além disso, a falta de reconhecimento da importância e valor dos médicos veterinários em áreas que vão para além do cuidado de animais de companhia também é evidenciada noutros estudos. Um estudo de 2020 de análise de perceções online nos Estados Unidos destacou a ausência de discussões sobre as contribuições dos veterinários para a saúde humana, segurança alimentar e iniciativas de saúde global relacionadas com o One Health. Para além disso, este estudo também revelou que, em contexto online, existe uma ausência por parte da população do reconhecimento dos desafios enfrentados pela profissão de medicina veterinária relacionados com a saúde mental. Similarmente, um estudo no Brasil mostrou que, apesar de 92,9% dos inquiridos afirmarem conhecer o trabalho dos veterinários, apenas 3,1% reconheceram o seu papel na saúde pública. Estes dados indicam que, apesar de serem considerados importantes, os veterinários enfrentam uma desvalorização e desconhecimento das suas funções em áreas críticas por parte da população, o que pode contribuir para o sentimento de desmotivação e desvalorização dentro da profissão.